Crônicas

Texto publicado no livro Janelas do Tempo 

Num desses passeios de carro para desentocar da pandemia, descobri que o colégio Santa Clara foi demolido, uma pena. Aquele pequeno pátio que parecia enorme na minha infância, não existe mais. Colégio de freiras só para meninas; minha irmã estudava lá. Mas o jardim de infância era misto, e aos meus pais pareceu boa opção para me iniciar na vida escolar. De fato foi. Eu tinha quatro para cinco anos, mas ainda guardo fortes lembranças: as meninas. Quantas meninas, lindas meninas, meus primeiros crushs. Sentia uma vontade incontrolável de abraçá-las e beijá-las, e porque não? Estava na idade em que os desejos nos guiam, em que o id fala mais alto que o superego ainda pouco desenvolvido. Quando batia para o recreio, o pátio se transformava numa correria desordenada, numa gritaria, num caos. Nessa ocasião, enfeitiçado, eu me deixava levar pelos mais primitivos instintos, manifestava fisicamente meus afetos sem censura. Corria atrás de uma das meninas que me encantava – havia várias – a abraçava à força e tascava vários beijos. Elas não aparentavam gostar. Pareciam surpresas e um pouco assustadas, mas eu gostava e não me parecia algo errado. Talvez eu estivesse sentindo aquilo que os adultos chamavam de amor… havia um sentimento bom, forte e legítimo por elas, não queria fazer mal, apenas carinho, que mal poderia haver nisso… Mas as freiras e as meninas não partilhavam da mesma opinião. Um dia descobri que minha mãe concordava com elas. 

– Precisamos ter uma conversa séria. As freiras do colégio me disseram que tu andas abraçando e beijando as meninas do colégio à força na hora do recreio. Isso é verdade? 

Nem precisei responder, minha expressão já havia admitido.

– Isso não está certo. Ninguém pode pegar ninguém à força, obrigar a fazer algo que não quer. Nunca mais faça isso, OK? Posso confiar em ti?

A explicação foi mais completa e talvez um pouco mais efusiva, mas está bem resumida. Nunca mais faça isso bastava. Nunca é palavra forte, usada apenas em casos graves, e aquele parecia ser. Agora eu teria que me contentar com a lembrança daqueles abraços e beijos, estavam proibidos. Sem entender muito bem, obedeci.

O Santa Clara não existe mais. Naquele colégio aprendi importante lição para a vida em sociedade civilizada, deixei de ser um pequeno bárbaro. O pátio do Santa Clara não existe mais. Naquele pátio descobri o que viria a ser amor platônico; não tão bom quanto o amor com beijos e abraços, mas por muitos anos, o amor possível.  

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