Em 1971, quando foi iniciada a construção do muro da Mauá, eu tinha apenas 5 anos. Não tenho lembranças da cidade sem o muro, mas lembro de um aspecto que me intrigou desde o início: alguém já reparou que aqueles portões de roldanas com grandes frestas por onde podem passar até mesmo pequenos animais não vão conter a água? Ela não vai se intimidar com o tamanho do muro. Eu não tinha noção alguma de física, apenas conhecimento empírico a partir de brincadeiras no banho, no mar ou com barquinhos de papel onde fosse possível, mas dava para perceber os efeitos da baixa viscosidade da água, dava para ver que ela se enfiava em qualquer cantinho, seria muito provável que as frestas dos portões da Mauá fariam água. Não lembro ter manifestado a preocupação aos adultos. É possível que a sensação de estar descobrindo a pólvora aos 5 ou 6 anos de idade tenha me surpreendido: eles são adultos, devem saber o que fazem. É também possível que o sentimento de impotência que assolava as crianças daquela época tenha me intimidado: você é criança, não entende nada.
Mais tarde descobri que os portões, na verdade, eram compostos por comportas projetadas para conter inundações, mas a desconfiança inabalável já estava estabelecida. Contrariando as expectativas dos especialistas adultos, minhas previsões infantis se confirmaram nas cheias da semana passada. Imagens da chegada do caminhão carregado de sacos de areia sendo saudado ao estacionar no cais correram pelos grupos de Whats. A água passou para a pista da Mauá no portão central com extrema facilidade, como quem atravessa uma parede de fumaça. Por sorte, São Pedro poupou o centro da cidade. Infelizmente outros locais não tiveram a mesma sorte.
Em seu primeiro teste, o muro falhou, não demonstrou mínimas condições de proteger a cidade, sacos de areia são insuficientes para conter níveis altos de cheia. Parece que a clássica frase atribuída a Henry Ford faz todo sentido aqui: uma corrente tem a força de seu elo mais fraco. Os críticos do muro sentem-se agora cobertos de razão. Fomos privados do convívio com o rio por décadas… Pra quê?
Domingo passado fez sol, aproveitei para visitar o Margs com a família. Conferimos as exposições, as obras do acervo permanente, compramos o livro do Lupicínio na livraria do museu, tomamos um bom capuccino com bolo de laranja, e, na saída, constatei que havia uma escada encostada no muro da Mauá. O flanelinha, um senhor muito simpático e educado, me disse que a colocaram lá para que as pessoas possam subir e tirar fotos do outro lado, e que seguraria a escada para mim sem custo adicional. Recusei a oferta, minha pequena curiosidade não justificaria tal aventura.
Hoje fala-se em substituir o muro por outro sistema de contenção, fala-se em um muro composto por dois mecanismos – um fixo e outro removível – instalado na beira do cais. Eu apoio. Apoio ações para frear inundações e evitar tragédias familiares ou prejuízos ao estado. Caso a nova solução aproxime o rio dos porto-alegrenses, melhor ainda. Não sou contra o progresso, mesmo porque, seria um esforço inútil. Só peço que não deixem frestas nem furos desta vez, que façam um bom projeto, acompanhem a execução e preocupem-se com testes e simulações. Mas enfim, eles são adultos, devem saber o que fazem.
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