Crônicas

Na minha época todas as "escolas de primeiro e segundo graus" tinham sirenes.

Tocavam aquela escandalosa sirene 5 minutos antes de começar as aulas para que formássemos fila na frente da porta da sala de aula e tocavam novamente para começar a aula.

Tocavam a sirene para o recreio. Tocavam 5 minutos antes do término do recreio e tocavam ao final do recreio.

Por fim, tocavam no final da aula, para nossa felicidade e caminho de volta à casa.

Alguns colégios menores tocavam sinetas, pequenos sinos de mão, mas colégios que se prezavam, eram sirenes bem barulhentas.

Todos nós, alunos, odiávamos mas também amávamos o seu toque. Amávamos o toque do recreio e, é claro, o toque de fim de aula. Os outros toques era o inferno.

Em 1977 estudávamos eu e meu irmão, Ricardo, numa dessas escolas.

Ricardo, mais velho, estava um ano adiantado.

Ele era o tipo de cara (ainda é) que adorava música alta. Estávamos na época das discotecas e ele pirava nas batidas e em tudo que eram elementos da música disco, tão fortemente em alta naquela época.

Um dos elementos muito presentes em discotecas era, adivinhem? Sim, a sirene.

Fui 2 ou três vezes somente em uma discoteca, até porque minha idade, na época, não me permitia, mas pude constatar que, a cada 5 minutos, alguém disparava uma ensurdecedora sirene no meio da música e isso incinerava a galera dançante. Gritavam juntos e pulavam com o som das sirenes.

Era pura loucura.

Na escola, elas eram uma burocracia chata. Seria melhor que não existissem lá.

Meu irmão gostava mais das sirenes na música do que detestava na escola mas, mesmo assim, pensou numa mirabolante idéia.

Roubar a sirene da escola para curtir uma "sirene nos ouvidos" com uma boa música bem alta em casa.

E adivinhem quem ele foi buscar de cúmplice?

É, esse outro maluco aqui.

Ele bolou tudo sozinho, eu era só um cúmplice operacional. Só estava ali para ajudar.

Com o plano todo certinho, colocamos o despertador para tocar por volta das 3 da manhã. Mal tocou e o abafamos, pois nosso pai era daqueles brabos, mais brabo que rato encurralado.

Colocamos roupas escuras, pegamos umas ferramentas e descemos as escadas deslizando pelo corrimão para não fazer qualquer barulho e não acordarmos ninguém.

Morávamos numa cidade grande e em bairro relativamente violento, mas estávamos lá, dois pivetes, na madrugada, caminhando uns 3 quilômetros até chegar à escola.

Com tudo perfeitamente planejado, entramos por um terreno baldio que dava na lateral do colégio. 30 metros de pura escuridão ultrapassados com sucesso.

Pulamos o alto muro um ajudando o outro e estávamos lá, no vazio colégio que em poucas horas estaríamos de volta com as maiores caras lavadas.

O colégio estava todo iluminado. Muito estranho.

Mas, focados, fomos direto à sirene.

Ela ficava no segundo andar e não se tinha acesso nem por cima nem por baixo. Analisamos a situação e era quase impossível pegá-la. Só tinha um jeito: um segurar as pernas do outro para que pudéssemos alcançar a sirene e cortar os arames que a prendiam e desparafusar-lá da parede. Isso numa altura de uns 3 metros do chão. Uma rateada, e morte na certa.

O doidinho aqui era o menor e mais leve então, com a coragem dos idiotas, me pus aquela loucura sem hesitar.

Pegamos o nosso prêmio e corremos de volta para casa sem qualquer problema.

Sucesso total.

Após a adrenalina baixar, dormimos.

No outro dia, na escola, sineta na mão. Todos se perguntavam: o que aconteceu com a sirene? E nós, com um sorriso no canto da boca.

Já no primeiro dia, quando voltamos da escola, meu pai no trabalho, Ricardo correu para ligar a sirene. Uóóóóóóóóóó

Oh Deus, que coisa mais alta e ensurdecedora.

Ligou uma, duas, três...não parou.

Botou o som no máximo e...sinere nos ouvidos!!

Dia após dia a sirene tocava e eu ia me arrependendo amargamente do dia em que fui um ninja assaltante.

Maldito plano. Maldita discoteca. Maldito Ricardo.

Maldita afanada sirene!!!

 

Porto Alegre, novembro 2022

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