Todos sabemos que as pessoas se dividem em dois tipos: as que preferem comer a melhor parte logo no começo e as pessoas que preferem guardar o melhor para o final.
Ah, espere, tem também aquelas que eram do segundo grupo, mas aprenderam que deixar o melhor para o final pode significar não aproveitar totalmente o que há de bom e, hoje, preferem distribuir o bom com o resto nem tão bom, tornando a coisa mais homogênea. Preferem a coisa "misturadinha".
Eu, quando adolescente, era dos que guardava o melhor para o final. Hoje, mais esperto e calejado, gosto misturadinho. Como eu aprendi e mudei? Graças a um grande amigo meu chamado Máximo. Me deu uma lição e tanto.
Houve um tempo que eu e Máximo éramos cú e bunda (como se diz no sul). Ambos aprendemos a tocar violão na mesma época e um com o outro e fazíamos muitas coisas juntos, uma delas era acampar.
A família do Máximo tinha uma casa na praia de Tramandaí e, naquele verão, eu havia sido aprovado na faculdade (Estatística, onde eu estava com a cabeça??) e inventamos de fazer uma última aventura de guri, pois a faculdade certamente me traria conhecimentos e comportamento de adulto (só um guri para achar isso, rsrs).
Combinamos, então, de irmos totalmente de carona de Tramandaí até a nossa amada, e, na época, ainda rústica e sempre linda Praia do Rosa, em Santa Catarina. A pouco mais de 300 quilômetros de distância.
Eu e Máximo, juntos (separados menos), éramos uns pinguços e, como bons pinguços pé-rapados, nos armamos de cachaça para a longa e cansativa viagem.
Com a barraca e meia dúzia de trapos na mochila, fomos para a estrada. Dedão em riste…horas…sol, um golinho na pinga prá aguentar. Dedão, horas, sol, golinho…e repita-se isso até que decidimos pegar um ônibus. Um pinga-pinga baratinho. Fomos, no pinga-pinga, tomando pinga. Mas o tal ônibus ia somente até uma cidade intermediária. Digamos: no meio do nada.
Nessa mini-cidade (põe mini nisso) tinha uma mini-rodoviária com um mini-guichê. Entramos, borrachos, e iniciamos a tentativa de entendimentos de qual novo pinga-pinga pegar. Eu, prá lá de Bagdá, me apoiei no vidro do guichê, escorregando prá frente como um bom bêbado e plim!! Quebrei o vidro. O cara me olhou puto e eu rapidamente fiz minha expressão de "me fudi, me dá uma chance e não me cobre isso pelamor de Deus". E não é que funcionou. O cidadão viu que eu não passava de um "pobre bebum pobre" e me liberou daquela cagada. Que alívio. Lição aprendida: quando bêbado, nunca se apoiar em um vidro de guichê de mini-rodoviárias de fim de mundo.
E lá se vamos para a próxima parada…dentro de um novo pinga-pinga, detonando nossas pingas.
Chegamos na entrada da Praia do Rosa por volta das 4 da manhã, sonolentos, cansados e bêbados. Mas tínhamos ainda quase 9 quilômetros de caminhada. Isso mesmo, 9 quilômetros!!
Fazer o que… guris, cheios de energia, empolgados por chegar, bebuns…simbora!
Chegamos!! Viva!!
Armamos nossa barraca num lindo terreno. Hoje é tudo privado, mas na época, verão de 1984, era tudo dos malucos como nós.
É claro que a primeira coisa que fizemos foi nos atirarmos na pequena mas linda Lagoa do Meio e depois no lindo mar dessa fantástica praia.
Feito o reconhecimento inicial do paraíso, combinamos de comer alguma coisa pois, como se diz: "saco vazio não fica de pé".
Montamos o fogareirinho, panelinha, saquinho de arroz e abrimos uma lata de salsicha. Sabe aquelas salsichas bem chinelonas, descoloridas, molhadas mas que ainda, para dois bebuns, tinha um valor enorme? Pois é, havíamos comprado muito arroz em saquinho (que era só jogar na água) e algumas latas de salsicha.
Arroz pronto, picamos as salsichas e misturamos para que ficasse homogêneo.
Bora encher o bucho? E foi dada a largada…
Como disse, eu era do time dos que deixam o melhor para o final, já o Máximo, o oposto. Mas eu não sabia que tinha gente como ele! Jamais imaginaria existir esses "playboys da gastronomia" que detonam o melhor logo no começo.
Acho que dá para comparar com a antiga fábula da Cigarra e a Formiga, não?
Eu, além de ter este perfil de Formiga, queria ser um bom amigo, garantindo que não ia passá-lo para trás no total de salsichas em cada garfada então, comia uma garfada com salsicha e uma 3 ou 4 sem, só arroz, como um bom amigo e uma burra Formiga.
Mas o Máximo, aquela Cigarra safada e bebum em minha frente, sem eu perceber, estava tocando todas as garfadas com salsicha!!
Ah, Cigarra infernal!
Ao término, a Cigarra, inocentemente me comenta: "bah, tava bom esse nosso rango, consegui comer em quase todas as garfadas uma salsicha".
Ao invés de eu expulsar ele da barraca com um chute na bunda, ainda fortemente bêbados, nos finamos de rir. Aliás, até hoje, quando lembro, dou gargalhadas: eu te mato Máximo!!!!
Porto Alegre, fevereiro de 2022
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